quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Partido dos Trabalhadores (PT): refundar ou perecer!




“O dilema diante do qual se encontra a humanidade apresenta-se assim:
ou a decadência na anarquia, ou a salvação através do socialismo”
(Rosa Luxemburgo)


No próximo domingo, 2 de dezembro, ocorrerá o primeiro turno das eleições internas do Partido dos Trabalhadores (PT), e seus filiados escolherão seu presidente nacional e demais cadeiras que serão compostos os diretórios estaduais. Para o atual momento, uma pergunta se faz presente: O que é o Partido dos Trabalhadores hoje? A subida do partido com a estrela de Lula ao Planalto consolidou a opção da doutrina pelo poder eleitoreiro sem um consistente projeto político. Logo apareceram os efeitos colaterais e, para variar, proveniente de odores de fétidos bueiros de Brasília! O resultado é um partido descaracterizado cujas principais lideranças foram solapadas na esteira da corrupção. Dentro do ufanismo pós-eleitoral, adiciona-se ainda ao enfraquecimento político da mobilização das agremiações de esquerdas brasileiras. Qual é a ideologia reinante nas atuais práticas do petismo: socialista ou neoliberal? Qualquer que seja a resposta, o quadro é alarmente digno um Frankenstein político.

Após a crise abominável do mensalão, inexplicavelmente ninguém foi punido dentro do partido. O PT mimetizou Pilatos: lavou as mãos encharcadas de dólares (até em cuecas!) e fechou os olhos para membros acusados de práticas nefastas. O combate à corrupção representou na sua origem um dos pilares centrais do partido com a proposta de fazer política com ética e transparência. O discurso virou pó, ou melhor dizendo, poder e dólares! O arauto José Dirceu não só não foi punido e, até hoje, sua sombra perambula com seus tentáculos dentro das esferas de decisão do partido. Nenhum Delúbio Soares foi cassado, nenhum “valerioduto” foi criticado com veemência dentro do seio partidário. Nenhuma postura crítica das políticas neoliberais praticados pelo governo federal foi questionada e tampouco os conchavos nefastos que o PT federal vem tecendo seu discurso e desenvolvendo suas práticas. Abjeta é a briga visceral por cargos públicos na caravana da alegria sindical. Basta estar encostado em alguma sigla sindical da aba petista para sugar avidamente o leite tenro do erário. Acabrunhado, o partido mingua sua credibilidade e assiste sua história se misturar com o cheiro do ralo. Que tipo de metástase está consumindo o PT e que monstro está sendo parido para o futuro tendo em vista suas práticas políticas?

Uma das questões abominável no atual modelo do PT (e que teoricamente - ainda - é o "núcleo duro" do governo federal) é a falta de visão estratégica para o país. Para quem acompanha a política partidária, os candidatos à presidente do partido estão muito mais preocupados com a visão imediatista à aderência ao lulismo e seus assentos em cargos públicos. O glúteo no erário público é a matriz do discurso político. Causa asco figuras deletérias, parasitárias, retrógradas e sempre se esquivando de "suspeitas" de corrupção (por exemplo, ver administração Marta Suplicy na cidade de São Paulo) como Jilmar Tatto que está concorrendo a presidência do PT, além da patética figura de Ricardo Berzoini, outro candidato, a releição! Para nenhuma surpresa, Tatto como candidato nacional à presidência é a certeza que a lama apodrecida está chegando a níveis alarmantes dentro do partido. As eternas brigas de martelo e foice no escuro do sectarismo infantil da "esquerda" do partido representada pelas chapas de Marcus Sokol e Valter Pomar somente ajudam a empurrar o PT cada vez mais para neoliberalismo e obscurantismo político. Possivelmente, José Eduardo Cardozo, será o nome mais consensual para fazer mais do mesmo, ou seja, "manter o que já esta para ver como é que fica". Para o quadro sucessório da presidência estadual que por muitos anos estava alojado nas mãos do bufão Paulo Frateschi, os nomes são de uma profunda pobreza política, insignificantes e descartáveis. Pobre São Paulo, pobre PT!

Dentro do quadro à sucessão do bufão-mor, o Sr. Berzoini, a história de luta do partido não merece nenhum dos nomes para a presidência nacional que estão na disputa das eleições internas. Na colcha de retalhos ideológicos dentro do PT, a “esquerda” do partido está tão diluída com suas querelas intestinais que não oferece nenhum perigo a ala direitista e conservadora. Portanto, o diálogo construtivo e voltado para as questões fundamentais do país é interditado. Não é possível pensar em políticas partidárias se não levar a exaustão o debate mais profundo e que margeia todas as matrizes do desenvolvimento: a crise do Estado brasileiro e suas repercussões sociais. Em suma, fica a pergunta que teima em sair da alcova: a esquerda brasileira está realmente preocupada com a visceral questão da crise do Estado?

A estrela desce ao abismo. Tarso Genro que presidiu interinamente o partido durante o auge da “crise mensalônica” chegou a falar de "refundação" do PT. O debate foi abortado drasticamente graças a intervenção soturna de José Dirceu e seus "companheiros" de rabo preso com os escândalos do período. Mais uma vez, o partido perdeu o bonde da história e deixou de purgar dentro dos seus quadros a podridão da corrupção e falta de visão política. Não pairam dúvidas sobre os rumos do partido no atual momento político e para colocar em prática sua sobrevivência e fazer jus sua história é preciso ter a coragem e a capacidade para se reconhecer e transformar. Muitos companheiros leais aos ideais originários do partido saíram do PT, sem deixar de acreditar na política como meio de transformação da realidade. Diante do quadro de fragilidade partidária, o PT tem dois caminhos antagônicos: fazer sua refundação e reorientação política ou se transformar mais uma mera sigla eleitoreira no teatro partidário da idílica democracia à brasileira.

A crise dos partidos de esquerdas não se deve tão somente à crise do socialismo ocidental simbolizada na queda do Muro de Berlim. As esquerdas padecem de uma visão de futuro contra as mazelas aplicadas pelos programas dos partidos neoliberais e serviçais dos interesses do grande capital. O capitalismo transforma e se adapta suas praticas de atuação conforme suas necessidades em nome da usurpação da mais-valia. A alternativa socialista não poderá ser um monólito pálido carente de visão de futuro. Para um novo PT, não há um outro caminho senão a sua refundação. Reinventar a esquerda é um projeto alternativo de estrutura de poder. Reinventar o futuro não é apenas uma tarefa de burocratizar o aparelho partidário e fazer belas cartilhas programáticas que na prática nunca sairão nenhuma proposta factível do papel. Cabe ao PT reinventar a si mesmo, sair da letargia e do marasmo vampiresco por cargos e comissões, desalojar a corrupção crescente dentro dos seus quadros, reconstruir seu papel social e sua ideologia, transformar a política e o próprios ideais da esquerda e se afirmar como uma opção socialista para a sociedade brasileira. O PT precisa retornar às suas origens e observar que são os trabalhadores a sua base primária de sustentação e luta contra a opressão do capital que resulta em perversas desigualdades.

O século XXI não é apenas um paradigma a ser desembrulhado da caixa de Pandora, porém o desafio maior é acreditar na possibilidade de transformar injustiças e mazelas socioeconômicas em uma nova dinâmica onde a sociedade diminua sensivelmente suas disparidades tão grotescas. Ao contrário do que muitos acreditam, não será maquilando números de índices sociais e econômicos que chegaremos a um patamar civilizatório. O futuro sempre é impiedoso contra as senilidades do presente e cabe ao partido deixar claro que a bússola deverá apontar para um ideal socialista. A refundação do PT não é um mero casuísmo, mas a urgente missão de se renovar para avançar dentro das lutas e artimanhas de um mundo onde o fascismo do capital impera subornando bolsos, corações e mentes. O PT não poderá ceder as ilusões eleitoreiras e sucumbir as velhas charlatanices do poder de aluguel. Para o PT, é refundar ou perecer!

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Qual socialismo é possível?


Para além da esquerda (Primeira Parte)


Desde a queda do Muro de Berlim até os dias de hoje são profundas e notórias as mudanças do cenário político mundial. Tantas transformações que poderíamos pensar a década de 1990 como um marco divisório entre os mundos que separam as formas de refletir as entranhas do socialismo antes e depois do muro. Partindo do princípio que é mais salutar caracterizar as diversas manifestações populares com instrumental ideológico marxista com sendo "socialismos" (no plural). A esquerda ocidental pode ser caracterizada como um bloco partidário contrário à um direita liberal. As tipologias são tão diversas que não cabe neste momento caracterizar cada uma de suas variantes. Por hora, a melhor forma de refletir o posicionamento da esquerda no cenário político é analisar suas práticas perante o poder, enfatizando aqui o caso particular do cenário brasileiro.

O mais singular caso de "sucesso partidário" é sem dúvida nenhuma o Partido dos Trabalhadores (PT). Desde o seu nascimento no inicio dos anos 1980, oriundo de uma mescla de sindicalistas, intelectuais, religiosos, populares e líderes comunitários, o PT representou o resgate da esquerda esfacelada pela ditadura dos generais (1964 -1985). Desde os primeiros sucessos nas eleições regionais paulistas até a presidência em 2002, o PT deixou de ser pedra para virar vidraça em apenas duas décadas. Esperança ou pesadelo? O PT de Lula no Planalto nada lembra do antigo PT de "base e de lutas". A adesão eleitoreira das políticas neoliberais para as práticas petistas no poder é um sintoma relevante que o discurso descolou da prática. Sem entrar no mérito das contradições do PT como partido e como poder, a questão essencial se faz pertinente: é possível construir uma política e prática socialista sem recair em seus dogmatismos e fundamentalismos? E a questão fundamental para qualquer ponto de partida se faz necessária: qual socialismo é possível?


Para avançar a reflexão a respeito do socialismo, não será possível somente ficar preso aos antigos paradigmas e construções históricas que demonstraram insuficientes, ineficientes e degenerativas. Nunca se deve negar a história e, além disso, observar atentamente suas valiosas lições. Uma miríade de propostas socialistas já foi contabilizada pela história recente: o clássico socialismo soviético, o esquizofrênico socialismo chinês, o heróico e solitário socialismo cubano, as manifestações de grupos guerrilheiros socialistas em algumas repúblicas da Ásia, África e América do Sul até o socialismo bonachão e personalista de Chávez na Venezuela (a proposta denominada "bolivariana") e Morales na Bolívia ("socialismo de aluguel"?).


É importante ressaltar as diferenças não-triviais entre as ideologias reinantes e a conquista do poder. O poder é praticado pelas vontades narcisistas do grupo hegemônico que ocupam as brechas de vazio político, seja nas urnas ou na bala. Para o caso das ocupações políticas via golpe de estado, por mais ávidos que sejam seus interlocutores pelas leituras marxistas, os resultados práticos são representados pelo banho de sangue em busca da sua própria estabilidade e em nome da "governabilidade" no topo da cadeia de comando. Na representação democrática, a luta se trava pelo voto e pela participação efetiva do poder econômico. A democracia capitalista liberal está muito mais para a perpetuação de grupos econômicos do que pela capacidade de conduzir uma convergência equilibrada dentre as várias classes sociais. Neste quesito, os diferentes grupos que se autodenominam "socialistas" entram em morticínio ataque entre as várias correntes de pensamento. Tanta guerra tribal e acéfala tende com resultado o enfraquecimento partidário e mutilação de idéias e ações socialistas dando espaço para a não-ruptura do pensamento liberal dominante.



Qual a dose de estupidez presente nas várias denominações que se diz “esquerda”? O dogmatismo misantrópico contrário à liberdade do indivíduo é certamente um paradigma que precisa ser destronado. A articulação entre o coletivo e o indivíduo não é apenas uma mera retórica programática, mas um desafio realmente pertinente para avançar a idéia do socialismo não-atávico às práticas totalitárias. O apego deliberado ao poder não são exclusivas dos fascistas, liberais, militares ou qualquer grupo que ocupa ou deseja usurpar o poder. Cabe a um verdadeiro movimento socialista ser nutrido por um profundo respeito pela vida humana e não apenas o culto à uma simbologia partidária e alienante. É fundamental perceber que o verdadeiro inimigo do socialismo não é o liberalismo e seus similares capitalistas, porém é sobretudo as práticas totalitaristas praticados pelos próprios socialistas, estejam no poder ou não. Ação e discurso não podem ser apenas meros acessos estanques entre teoria e realidade. As práticas devem estar compactuadas com uma teoria compatível à realidade de cada sociedade. O socialismo não é uma receita de bolo pronta para ser utilizada com um forno de microondas e independente da clientela, mas acima de tudo, uma permanente construção entre o que se deseja realizar e o que é possível efetivamente fazer de forma não-pragmática. Os liberais dizem que nada é possível fazer além de aceitar a realidade tal como ela é. No entanto, cabe aos socialistas e seus simpatizantes duvidarem do pragmatismo liberal e demonstrar que não existem fronteiras quando se trata da superação da miséria humana.



A democracia burguesa tem algumas vantagens dentre um oceano de desvantagens. A primeira delas é a liberdade para refletir o quanto o pensamento socialista precisa avançar para se tornar alternativa viável de transformação. É imprescindível atentar para um fato transformador e avassalador: a transformação não deve ser apenas a ocupação ou usurpação do espaço político, mas a construção diária do desmonte das estruturas que oprime as camadas desprotegidas e as minorias sociais.


Não é possível criar falsas ilusões perante a realidade: um verdadeiro programa socialista não deve ser pautado pela vaidade e o discurso populista de algumas de suas lideranças, mas a obsessiva e fundamental busca do resgate da esperança e da ação transformadora que leve a todas as pessoas não somente o progresso material, mas essencialmente, a superação das desigualdades e a condução da dignidade humana.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Antinomias do Poder

(Imagem da Ilha do Mussulo, Angola, 2005)

Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo. (Karl Marx, Teses sobre Feuerbach, 1845)

Todas as formas de poder são ilegítimas, exceto aquelas que não visam sucumbir às suas entranhas. A história da humanidade pode ser sintetizada como sendo a busca implacável pelo poder. A intensidade desta busca pode ainda variar conforme a paixão, o ódio, a repugnância, a afeição ou o desespero conforme o grau de necessidade e interesse do grupo que deseja ocupar um espaço político. O espaço político é aquele no qual seja possível tecer relações sociais entre seus membros. Excetuando as religiões mais dogmáticas, todo espaço político é passível de mobilizações. Nada é absoluto e muito menos eterno. O espaço político vive em constante sístole e diástole entre suas esferas. A esfera de poder está intimamente ligada com diversos interesses de grupos. Mas nos diversos regimes já adotados pelas sociedades, seja tirânico, democrático ou teocrático, em todos eles há um denominador comum: a busca pelo poder. Seja num regime político aberto ou fechado, há em seu seio uma permanente luta por espaços associados a diversos interesses. Em todos os esboços revolucionários (ou pelo menos dignos de nome), a luta interna pelo poder é tão ou mais intensa quanto a luta para destituir o outro poder, ou seja, o “poder do inimigo”.


No sistema capitalista, deter o poder significa ser doutrinado por uma classe dominante que permite sustentar todas as estruturas de espoliação do trabalhador, interagir barreiras alfandegárias e cambiais, utilização do espaço público como extensão dos interesses privados entre outras nuances, são ações imprescindíveis para a sua própria existência. No capitalismo a ordem unilateral é a multiplicação assimétrica de mais capital. Na política no regime capitalista é a síntese da disputa de segmentos partidários para verificar qual deles consegue uma melhor condução da política do status quo vigente. No capitalismo a ordem é a acomodação e jamais a transformação. Não interessa aos capitalistas turbulências em seus negócios e muito menos movimentos que possam radicalmente alterar seus nichos mercantis. A democracia, portanto, não é um pressuposto essencial e único para o capitalismo velejar, mas tão somente a liberdade. É preciso deixar claro que a liberdade em questão é a que tange a esfera predominantemente econômica em detrimento a qualquer outro diagnóstico pueril de liberdade. A justiça é importante quando a lei esta ao lado do capital. Não existe justiça totalmente imparcial assim como não é possível descartar a imparcialidade do juiz. A justiça é feita pelos homens para interagir seu martelo com outros homens. A justiça no sistema capitalista jamais é “cega”, no mínimo, caolha. Logo, a justiça é um conceito essencialmente político. Todo juiz é um ser político e suas sentenças serão de acordo com seu ideário político. Assim, democracia, liberdade e justiça são bens essenciais para uma sociedade, mas enquanto construção de interesses humanos são elementos cerceadores do poder.


O poder de autoridade é exercido pelas botas da opressão. Na democracia capitalista é onde o poder de coerção social possui sua vertente mais hipócrita dentre todos os regimes já construídos pelas sociedades. Na medida que reprime uma manifestação ou ocupação de terras por trabalhadores rurais, por exemplo, a polícia “democráticamente” protege os pressupostos “direitos de propriedade” do latifundiário. Uma única pessoa, o “capitalista”, é o “posseiro regularizado” (vulgo, o “dono”) de uma vasta quantidade de terras (independente de sua produtividade) em detrimento a situação de milhares de famílias jogadas à sorte da mendicância campesina. Para o poder judiciário, tudo é normal e “dentro da lei”. A coerção do poder do Estado garante a “integridade” das terras para o latifundiário, mesmo sabendo que isto poderá levar a desgraça milhares de pessoas famintas! Na democracia capitalista, o poder não prega igualdade ou fraternidade, mas, sobretudo à “obediência” a uma suposta Constituição vigente elaborada por políticos que defendiam determinados interesses de grupos que apoiaram sua caixa “um” ou “dois” eleitoral.


O poder só existe essencialmente através das massas (1) . As massas não precisam do poder para existir. O poder é uma abstração política, as massas é o sangue pulsante da realidade. Somente o que poderá se opor verdadeiramente a noção de poder será a sua contraparte político-ideológica, por assim denominamos, o “contra-poder”. A idéia da construção de um modelo para desenvolver a abrangência do contra-poder não significa, a priori, a pura e simples subversão da ordem, uma vez que a alteração cosmética desta ordem não é essencialmente uma ruptura do modelo vigente. O contra-poder terá como linha mestra a subversão da própria idéia de poder: recusa-lo inicialmente e, posteriormente, sedimentar esta nova manifestação política e social, não apenas como base ideológica, mas sobretudo, sua práxis. O contra-poder representará a renuncia da busca alucinada e demagógica pelos poderes nas vias tradicionais de aderência de esferas de comando. O contra-poder não visará restituir nenhuma forma de poder, mas eliminar toda forma de coerção e manipulação pré-existentes inerentes a esse poder.


A autodeterminação dos povos é a principal meta teórica do contra-poder e sua práxis induzirá na plena liberdade de sublevação dos oprimidos. Nenhum segmento da sociedade pode ser escrava de um outro segmento. A escravidão, seja ela qual forma vil se manifeste, é uma ignomínia da Natureza humana. A democracia deverá ser ampliada afim que se possam conviver plenamente as diversidades sócio-culturais. Infelizmente, hoje quanto mais se fala em democracia, mais são sensíveis os parâmetros da opressão, seja ela velada ou não. A liberdade pressupõe que todos têm o direito a se expressarem livremente de forma autônoma, sem bloqueios ou amarras, seja de natureza política, religiosa ou econômica.


A justiça pressupõe o direito da não-submissão de oprimidos e a não-aceitação da divisão social. A diferenciação por classe ou estamentos da sociedade também é outra aberração da Natureza humana, e possivelmente seja as mais antigas de todas desde quando o primeiro homem usurpou para si um pedaço de chão e auto-proclamou de “meu” (a partir deste momento era parida a doutrina que fico sendo conhecida como “propriedade privada”). A verdadeira democracia e a essencial liberdade para serem dignas das estruturas viscerais das sociedades será imperativo a abolição incondicional das classes sociais. E neste estágio de humanização social onde serão inseridos os padrões mínimos de uma verdadeira justiça entre os homens.


Os movimentos de massa deverão livremente serão gestores de suas ansiedades e necessidades. Questões vitais como a educação, a saúde, o abastecimento alimentar e o saneamento básico entre outras ponderações igualmente importantes, serão administrados de acordo com os interesses dos membros destes movimentos de forma democrática e coletiva. O contra-poder tem como premissa fundamental a libertação do homem de suas amarras socio-economicas e entregar em suas mãos a condução de sua vida e do seu grupo social o qual está inserido. Não precisamos de sangue de inocentes para cultuar religiosamente, todos os povos serão mártires de si mesmos.


Não carecemos de razão, carecemos de utopias. O contra-poder não representa a negação da política, mas o escancaramento de sua democratização ao acesso dos fazeres políticos. O homem é um animal essencialmente político, negar a política é privar o homem de sua capacidade de interlocução entre seus pares. No entanto, não é possível construir um mundo encharcado de ódio, segregação, miséria, fome, moléstias cuja a cura seja amplamente conhecida e as diversas formas de extração da mais-valia. Somente uma mobilização ativa em prol da construção do contra-poder poderá encontrar nas raízes existenciais do ser humano, o resgate hercúleo do humanismo como forma de libertação das alienações vorazes dos poderes vigentes.


Não é possível legitimar pseudo-ideologias sob o manto faustiano de corromper as massas em prol de um grupo de pequenos “iluminados” cujo desenrolar a história registra trágicos destinos. Não podemos justificar doutrinas com sangue inocente, eclosão de barbáries sob a pseudo-razão do levante de bandeiras atreladas a conquista da imaterialidade do poder. Todo poder é transitório, mudam-se suas táticas, mas persistem suas atrocidades. O contra-poder não é uma doutrina ou busca ser uma cartilha de práxis pré-determinada. O contra-poder busca a libertação do homem de um sistema escravo-mercantil em nome de uma nova visão de dignidade do ser humano. O contra-poder não busca pretensiosamente ser uma doutrina semi-religiosa, mas tão somente uma saída que tão aflige o ser humano há séculos. Somente o homem liberta o próprio homem, o resto é engodo vociferado por aqueles que ostensivamente lucram explorando milhões de outros homens.

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(1) Aqui definimos “massas” como um segmento predominantemente homogêneo de uma sociedade, com particularidades e interesses em comum.