quarta-feira, 5 de novembro de 2008

A Eleição do 'Crash': Da Onda Obama à Realidade do Fim do Estado de Bem-Estar Social


A gerência do maior complexo militar do planeta troca nominalmente de mãos em um momento de inflexão histórica. Madrugada de quarta-feira, 05 de novembro de 2008, assisto pela Record News, ao vivo e via satélite, o primeiro discurso do recém-eleito presidente dos Estados Unidos, o democrata Barack Hussein Obama. Como nas típicas montagens cenográficas dignas das superproduções midiáticas de Hollywood, uma multidão comemora a vitória do candidato negro (mulato para os padrões brasileiros) à Casa Branca, no Grant Park, em Chicago, no Estado de Illinois, o qual Obama é o atual senador por este estado.


No histórico discurso de Chicago, Obama agradeceu seus correligionários, pediu a união do povo estadunidense e ressaltou o trabalho de Joe Biden, o eleito vice-presidente de sua chapa. Ovacionado por uma legião emocionada de adminiradores, após o discurso, sobe ao palco as mulheres de Obama e Biden e posteriormente seus familiares, uma espécie da grande confraternização da construção simbólica e suprarracial da “família da América”, um dos pilares do conservadorismo estadunidense.


Barack Obama é um meteoro político e midiático. De um desconhecido senador negro (ou politicamente correto falando, afro-americano!) de Illinois em 2004 à “obamania” presidencial de 2008, Obama venceu uma dura batalha contra a pré-candidatura democrata da poderosa Hillary Clinton, considerada a favorita por muitos analistas, até ganhar finalmente a adesão se seu partido para ser o candidato oficial do Partido Democrata. A disputa com um cansado candidato do Partido Republicano, o veterano de guerra, John Mccain, e sua inusitada e atrapalhada candidata a vice-presidente, a governadora do longíquo Alaska, Sarah Palin, foi mais um período para confirmar junto ao eleitorado a supremacia do carisma midiático de Obama e a ressonância dos seus discursos sobre suas promessas de “mudanças” a serem implementadas em seu país. Vale lembrar da desastrosa campanha de Mccain e as gafes hilárias de uma pré-fabricada Palin (uma gafe inesquecível é a sua entrevista televisiva à uma jornalista a qual a vice de Mccain respondeu que não sabia quais jornais ela lia diariamente!). Soma-se ainda ao esforço de desvincular Mccain do fardo de ser o “candidato de Bush”, considerado pelos próprios estadunidense com o seu pior presidente de todos os tempos (superando até mesmo o desastre da administração de Richard Nixon!).


Obama não economizou recursos e não fez uma campanha nada modesta para um candidato que concorria contra um republicano “desesperado” no páreo. Com uma campanha considerada a mais rica da história das eleições estadunidense, onde mesclou contribuições massiva de agentes econômicos tradicionais e uma inteligente arrecadação via meios eletrônicos voltados para o “eleitor comum” com contribuições modestas a partir de 5 dólares por simpatizante (uma espécie da global “Criança Esperança” brasileiro para engordar o caixa eleitoral de Obama).


Todavia, os dois maiores cabos eleitorais de Obama foram o desgaste da herança desastrosa do imperialismo fascista do Partido Republicano, na figura do patético George W. Bush, e a histórica crise financeira que se estourou com a mega-bolha especulativa de Wall Street em plena campanha eleitoral e está não apenas levando os Estados Unidos à recessão, como parte significativa do mundo à reboque. A eleição do “crash” transformou a figura de Obama como o novo messias do stabilishment estadunidense e alavancado como um predestinado “líder mundial”. A crise financeira estadunidense de 2008, iniciada pela bola especulativa dos mercados imobiliários, passou da esfera da cafetinagem dos lucros fáceis da economia via bolsas de valores à economia real. O desespero tomou conta dos mercados mundiais, devastando empresas e desemprego em diversos países do mundo do “capitalismo maduro” e que derreteu trilhões de dólares em poucos dias. A hecatombe econômica que deixou os Estados Unidos à beira do colapso em 2008, em magnitude, somente é comparável apenas ao “crash” da bolsa estadunidense de 1929 e, na ocasião, representou um marco na história mundial e implementação de políticas de intervencionismo estatal no capitalismo sem freio do início do século XX. O fim da irresponsável retórica neoliberal de deixar a promíscua “mão invisível” atuar no mercado foi deixada de lado e a cartilha keynesiana foi tirada do fundo do armário e buscou-se uma retomada da estatização de grande parte do setor financeiro através da forte intervenção do Estado. A “socialização” das perdas da ciranda especulativa através do dinheiro do contribuinte criou-se muita celeuma dentro dos Estados Unidos a ponto do governo Bush ter muita dificuldade de emplacar seus generosos pacotes de ajuda financeira aos especuladores falidos.


Neste rastro de destroçamento econômico estadunidense, nem mesmo o enraizado preconceito dos estadunidenses impediram de eleger o primeiro negro à sucessão de um país com profundas chagas de conflito aberto racial. Por sua vez, visando não perder eleitorado e apoio de demais grupos éticos, Obama procurou minimizar o fato de ser um “candidato negro” e se postulou como um “candidato de todos da América”. Para Simon Jenkis, do jornal inglês “The Guardian”, a vitória de Obama simboliza o fim da supremacia "wasp" (a elite americana branca protestante) nos Estados Unidos, onde a cor da pele ainda representa forte peso eleitoral. O carisma midiático de Obama cruzaram o Atlântico e o Pacífico, e a “obamania” varou o mundo cada vez mais anti-estadunidense. “O motivo de sua candidatura ter incomodado muitos americanos é o motivo pelo qual o mundo ficou eletrizado por ela: Obama é meta-americano”, salientou Jenkis em seu artigo para o periódico inglês ressaltando a simbologia de Obama.


A cruzada fascista de Bush e nome da “guerra contra o terror”, a invasão do Iraque e o patinação das tropas estadunidense no Afeganistão perderam fôlego dentro da campanha presidencial de Obama e Mccain em virtude dos estadunidense estarem muito mais preocupados com os destroços da crise econômica interna e não perderem seus próprios empregos. É importante salientar o fim do estado de bem-estar social implantado pelo New Deal patrocinado pela administração de Franklin D. Roosevelt, a partir do início dos anos 1930 e vem sendo paulatinamente erodido nos Estados Unidos por anos de aplicação de um neoliberalismo explícito, diminuição da participação do Estado dentro da esfera social e amplição da concentração de renda dentre as camadas mais ricas da população (24% das riquezas estadunidense estão na mão de apenas 1% da população). Sem uma política pública de saúde, o custoso sistema de saúde privado é uma das maiores queixas dentre as classes médias e pobres estadunidenses. Este esfacelamento do estado de bem-estar estadunidense são práticas desenroladas desde as políticas republicanas da Era conservadora representada pela gestão de Ronald Reagan, início do anos 1980, e se prolongando até agora, os anos neoconservadores de Bush filho.


Obama é o arquétipo do “sonho americano” no coração da América, ou seja, a retórica da mobilidade de classes dentro das economias desenvolvidas. Obama promete o resgate do padrão de vida das famílias estadunidense via diminuição dos impostos do contribuinte. Será? Como mote de campanha, é afrodisíaca uma redução de até 90% da carga de impostos diretos das famílias estadunidenses! Todavia, a realidade será bem outra. Os Estados Unidos não vão abrir mão de serem a “polícia do mundo” e o gerenciamento do império não é nada barato. Para cada 1 dólar gasto em impostos, 40 centavos vão para os cofres militares. Trocando em miúdos, cerca de 40% do orçamento do país é para sustentar o maior complexo militar do planeta e posto de unipotência imperial bélico do planeta. No total dos orçamentos militares de todos os países do mundo, 45% são derivados dos gastos estadunidenses. Obama já declarou que não vai mexer no orçamento militar nos primeiros anos de seu governo. Portanto, é será difícil acreditar em redução de impostos, que impactará diretamente na arrecadação a ponto de comprometer o orçamento militar e certamente decepcionará muita gente que acredita que Obama diminuirá o fetiche imperialista estadunidense pelo mundo. Não há indícios ainda que Obama irá abrir mão do keynesianismo militar para buscar alavancar parte da economia interna derretida pela farra dos especuladores de Wall Street.


Sim, nós podemos!”, retórica repetida à exaustão na campanha de Obama. Cabe ao candidato passar de uma messiânica figura política na difícil superação e unificação do voto “negro” e “branco”. A simbologia do Obama, um afro-americano bem-educado e sucedido (“quase um verdadeiro branco estadunidense!”) poderá inicialmente trazer muita euforia e sensação de “mudança” nas posições estadunidense pelo mundo. A realidade o pragmatismo poderá reinar na futura administração Obama. É importante ainda salientar que não há caminhos para ilusões: Obama não governará sozinho ou apenas com alguns seletos assessores. Na intricada rigidez da administração do império, Obama poderá ser mais um refém das sólidas e conservadores estruturas de dominação dentro da arquitetura de poder nos Estados Unidos.


O que chama mais atenção é o momento histórico de resgate da identidade estadunidense Pós-Wall Street. No emblemático discurso de vitória em Chicago, na noite de ontem, dia 04 de novembro (horário local), Obama representou irradiante esta figura arquetípica de “esperança do sonho americano” para milhares de estadunidense. Somente num futuro próximo dirá se a onda da obamania virará (ou não) uma nostálgica maré. Para o restante do planeta que deverá estar com o olhar atento no retrovisor da história, o pragmatismo ainda é a melhor caminho para as relações políticas com Washington, sem prematuramente mergulhar de cabeça em fortuitas promessas de ondas multirraciais e pan-americanismos eleitorais com largo sorriso.